Um deserto e várias sílabas
“O Deserto dos Tártaros” e “Não Fossem as Sílabas do Sábado” e como essas minhas duas leituras de janeiro conversam entre si.
Caro Leitor,
Estou numa onda tão boa de livros que tenho até medo quando escolho o próximo. E se ele não estiver no mesmo nível dos últimos? E se eu errar nesse próximo e essa onda passar e eu nunca mais a recuperar? É como se fosse um passo em falso para um abismo literário.
Analisando, os livros são bons, eles foram escolhidos após uma seleção pesquisada. Não foram aleatórios. Outro fator que contribui para uma leitura boa, penso eu, e que é preciso ser humilde e aceitar que há sempre algo a ser aprendido com cada um deles. É uma espécie de versão de uma lição que apendi ouvindo uns dos vários podcasts do Jordan Peterson: se você não tem interesse por nada do que seu interlocutor está te dizendo, muito provavelmente o problema está em você. Estou parafraseando, mas a ideia deu para absorver.
Em janeiro, li “O Deserto dos Tártaros” e “Não Fossem as Sílabas do Sábado” e, numa feliz coincidência, foram ótimos títulos para um começo de ano, para esse momento que, aparentemente, temos como natural procurar um eixo para apoio e um norte para o qual mirar. Início do ano, sempre é uma oportunidade para olharmos criticamente o caminho que estamos trilhando e, se estivemos abertos a autocríticas, geralmente dá tempo de retraçar a rota da vida.
Numa breve síntese, “O Deserto dos Tártaros” conta a história do soldado Giovanni Drogo que é designado para servir no forte Bastiani, uma fortaleza em meio a um deserto que serve para proteger a fronteira de uma suposta invasão dos Tártaros. Entretanto, essa invasão e a batalha que se teria em decorrência dessa invasão parece nunca acontecer.
Se a batalha acontece ou não, talvez não faça diferença. A questão é que, entre alguns temas abordados no livro, o principal para a minha análise (e talvez a principal do livro, também) é sobre a vida acontecendo e o tempo correndo sem que de fato houvesse a vivência do que nos propusemos a fazer em vida.
Veja, no livro, a narrativa fica em torno da vida de Drogo e na sua expectativa de servir ao propósito que ele um dia acreditou ter: lutar numa batalha e servir ao seu povo. Seja por falta de foco, por comodismo, por uma esperança infundada, talvez a causa que levou ao não cumprimento de seu propósito não tenha importância, mas o reflexo que isso causou no futuro. Quando Drogo se depara com o vim de sua vida, será que valeu a pena investir todos os seus anos e juventude nessa aposta?
Já faz mais de semanas que terminei de ler esse livro, mas ele ainda fica ecoando em minha mente. Foi Drogo corajoso por persistir em algo que acreditava ou foi ele fraco e preferiu acreditar numa premissa falsa pela facilidade que encontrou?
O livro foi primeiramente publicado em 1940, mas é fácil trazê-lo para nossa realidade e, quando assim fazemos, pensamentos como “será que o que estou apostando hoje trará os resultados que espero no futuro?” surgem e nos questionamos se há alguma forma segura de nos resguardamos e minimizarmos ao máximo esse risco da aposta.
Numa série de diálogos, pensamentos internos, acontecimentos e uma vida pacata em vários momentos, essa obra clássica, escrito por Dino Buzzati, cutuca o leitor “olha, você está enxergando o que está fazendo com sua vida?” e nos faz olhar com criticidade se estamos apenas levando a vida ou fazendo ela ser vivida em sua plenitude.
Drogo chegou ao final da vida arrependido por tê-la passado no forte esperando uma batalha que nunca teve? Ele acreditava que esse era seu propósito de vida? Ou foi um comodismo seu, por aceitar uma vida já conhecida e, de certa forma fácil por ausência de desafios, que não quis mudar e ir buscar uma batalha que o honrasse como soldado em vida?
Assumo que minha mente divagou para vários cenários, se ele foi heroico em assumir uma missão, mesmo que aparentemente fadada ao fracasso, ou se ele era um homem de fé e fiel ao seu propósito.
Ao longo do livro, as emoções variam, as ideias mudam e concluo que não há reflexão e muito menos respostas corretas. A análise fica com os olhos e experiências e desejos de cada um. O que importa é tomar o tempo para fazer essas reflexões. Afinal, é melhor viver a vida errando, mas tentando, do que não a viver em nada.
E é nesse ponto que faço a ligação com o livro “Não Fossem as Sílabas do Sábado”.
A história é trágica: duas famílias são devastadas pela morte dos maridos e as esposas têm a oportunidade de se afastarem ou estreitarem esse laço. Mas é nítido que uma escolhe continuar a vida, se abrindo para o que o mundo tem para ofertar a ela enquanto a outra vive numa escuridão de um luto que não passa.
Mas será que era mesmo sempre luto ou ela encontrou aquela perigosa familiaridade na tristeza e não soube se desvencilhar dela? Sabemos que há conforto na dor, uma vez que nos acostumamos a ela. Para viver o luto, é preciso ação; não é uma atividade passiva.
E assim o livro desenrola, com a vida das duas acontecendo e mostrando ao leitor diferentes formas de encarar os desafios.
Mariana Salomão Carrara tem o dom das palavras, dos sentimentos, e transporta o leitor para dentro daquele apartamento onde tudo acontece e onde tudo parece que podemos enxergar. É um livro bonito, por vezes melancólico, e muito poético.
Terminei a leitura com orgulho e afeto pela Madalena e tristeza pela Catarina. Quanto à protagonista, senti por ela muitas coisas, mas principalmente o pesar.
Então, Leitor, se quiser ler alguns livros para pensar sobre como você está encarando sua vida, pode contar com “O Deserto dos Tártaros” e “Não Fossem as Sílabas do Sábado”. Dificilmente irá se arrepender.
Oi, Isadora. O deserto dos tártaros é meu livro da vida, top 1. Devorei e foi difícil seguir depois dele. Sou outra pessoa após esta leitura e meu coração fica apertado sempre que lembro dos últimos 25% do livro. Acho que a maioria das pessoas tem um pouco de Drogo. Estamos juntas no curso do Casarin. Beijo.
Doida pra ler “não fossem as sílabas do sábado”