Entrada #21: A vida em equilíbrio
"A lição do tombo? Talvez uma cruel: a de que a vida é dividida entre momentos de alegria e de dor."

Tombo, sangue, muito sangue, choro, susto, emergência, uma criança com a cabeça aberta. Foram 3 pontos, um para cada ano de vida. Não há coração que não bata mais forte com uma ida para o pronto-socorro segurando o filho nos braços.
Já tive uma certa variedade dessa experiência. Um queixo aberto, tampão do dedo do pé pendente, um cotovelo deslocado, 2 raios-X de supostas fraturas, uma língua cortada, um dedo sem unha, uma mordida de cachorro no rosto, alguns galos, incontáveis roxos nas pernas, vários arranhões.
No hospital, enquanto aguardávamos uma outra criança ser costurada e remendada, alguns sorrisos discretos e curiosos atravessam a sala em direção a nós. Eram médicos e enfermeiros que notavam vestígios de uma infância saudável, de piruetas, de testes do limite e capacidade do corpo. Os mais velhos e mais experientes, “faz parte, mãe”, “antes assim”, “molecagem”, “já, já passa”. Talvez recordassem eles da própria infância de joelhos ralados.
Eu já sabia que, como das demais vezes, no dia seguinte, mal haveria lembranças do ocorrido. A dor e a marca ficarão lá, um momento pontual numa memória que armazenará tantas outras coisas, e em sua maioria – esperamos- mais belas e gostosas. E, daquele episódio, serão carregados somente a lição e os momentos alegres que o precederam.
Momentos antes do tombo, reinava a euforia de um início de ano escolar promissor, do reencontro e brincadeiras com a irmã, da farra sendo orgulhosamente exibida aos pais que, contagiados pelos risos ecoando em dupla, estavam realizados com a família reunida depois de um longo dia. A lição do tombo? Talvez uma cruel: a de que a vida é dividida entre momentos de alegria e de dor.
Em outro canto do hospital, outros doentes, enfermos, machucados. Uns de passagem, e outros permanentes. Foi quando notei que o hospital se assemelha em muito com a vida. O mesmo prédio que abriga os que aguardam os dias finais é o mesmo que recebe aqueles que estão com todos os dias ainda por vir. A divisão, quando muito, é um andar ou um corredor.
Mas e na vida? Qual a semelhança? Dividimos os tempos de alegria com os tempos de tristeza numa fumaça que trava uma batalha eterna por qual recebe mais atenção, mais energia, mais vitória.
Tentamos nos equilibrar para que a tristeza não tome conta de uma vida toda e não ofusque aqueles tantos momentos alegres edificantes de uma vida bem vivida. É difícil, parece que a dor é mais forte, empoderada.
Devemos lutar para que, na lembrança, o tombo não seja protagonista, mas sim uma espécie de trunfo que desencadeia uma teia de lembranças e memórias amorosas, de tempos felizes, de uma vida enérgica e com vitalidade.
E, se é que na vida podemos fazer uma divisão entre sorriso e choro, que seja como uma gangorra de parquinho infantil, no momento do tombo, que fique lá no alto a somatória das risadas, o calor dos abraços, o som das conversas e, lá embaixo, a poeira e restos de tristeza, encolhidos, diminutos. Um equilíbrio, saudavelmente desigual.
Reflexão dura e leve ao mesmo tempo. Nos faz enxergar o quanto consideramos (muitas vezes) os momentos difíceis como maiores, embora haja tanta beleza em cada detalhe da vida. Estimo melhoras ao filho.